Psicologia Construtivista
Modelos pedagógicos
Modelos epistemológicos
FERNANDO BECKER
Podemos afirmar que existem três diferentes formas de representar a relação
ensino/aprendizagem escolar ou, mais especificamente, a sala de aula. Falaremos,
inicialmente, de modelos pedagógicos e, na falta de terminologia mais atualizada, ou
adequada, falaremos em pedagogia diretiva, pedagogia não-diretiva e, talvez criando um novo
termo, pedagogia relacional. Mostraremos como tais modelos são, por sua vez, sustentados,
cada um deles, por determinada epistemologia. Epistemologia que se mostrou refratária a toda
exuberante crítica da sociologia da educação que se desenvolveu no país, do final dos anos 70 .
O empirismo afirma que a razão, com seus princípios, seus procedimentos e suas idéias, é adquirida por nós através da experiência. Em grego, experiência se diz empeiria – donde, empirismo, conhecimento empírico, isto é, conhecimento adquirido por meio da experiência.
como ser humano, mas frente a cada novo conteúdo estocado na sua grade curricular, ou nas
gavetas de sua disciplina. A atitude, nós a conhecemos. O afabetizador considera que seu
aluno nada sabe em termos de leitura e escrita e que ele tem que ensinar tudo. Mais adiante,
frente à aritmética, o professor, novamente, vê seu aluno como alguém que nada sabe sobre
somas e subtrações. No segundo grau, numa aula de física, o professor vai tratar seu aluno
como alguém sem nenhum saber sobre espaço, tempo, relação causal. Já, na universidade, o
professor de matemática olha para seus alunos, no primeiro dia de aula e "pensa": "60% já
está reprovado!" Isto porque ele os concebe, não apenas como folha em branco na matemática
que ele vai ensinar, mas, devido à sua concepção epistemológica, considera-os
estruturalmente incapazes de assimilar esse saber.
No imaginário do professor , ele, e somente ele, pode produzir algum novo
conhecimento no aluno. O aluno aprende se, e somente se, professor ensina. O professor
acredita no mito da transferência do conhecimento: o que ele sabe, não importa o nível de
abstração ou de formalização, pode ser transferido ou transmitido para o aluno. Tudo o que o
aluno tem a fazer é submeter-se à fala do professor: ficar em silêncio, prestar atenção, ficar
quieto e repetir tantas vezes quantas forem necessárias, escrevendo, lendo, etc, até aderir em
sua mente, o que o professor deu. Epistemologicamente esta relação pode ser assim
representada:
S←O
ou
A ← P
Nesta relação, o ensino e a aprendizagem são polis dicotômicos: o professor jamais
aprenderá e o aluno jamais ensinará. Como diz um professor ao responder à pergunta "qual o
papel do professor e qual o do aluno?": "O professor ensina e o aluno aprende; qual é a tua
dúvida?". Ensino e aprendizagem não são pólos complementares. A própria relação é
impossível. É o modelo, por excelência, do fixismo, da reprodução, da repetição. Nada de
novo pode - ou deve - acontecer aqui.
Pedagogia não-diretiva- Apriorismo
“Apriorismo” vem de a priori, isto é, aquilo que é posto antes como condição do que
vem depois. -O que é posto antes? -A bagagem hereditária. Esta epistemologia acredita que o
ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética.
Basta um mínimo de exercício para que se desenvolvam ossos, músculos e nervos e assim a criança passe a postar-se ereta, engatinhar, caminhar, correr, andar de bicicleta... assim também com o conhecimento. Tudo está previsto.
De acordo com esse modelo a sala de aula seria , O O aluno já traz um saber que
O professor deve interferir o mínimo possível. Qualquer ação que o aluno decida fazer é, a priori, boa, instrutiva. É o regime do laissez-faire: “deixa fazer” que ele encontrará o seu caminho.
O professor deve “policiar-se” para interferir o mínimo possível. Qualquer
semelhança com a liberdade de mercado do neo-liberalismo é mais do que coincidência
O professor não-diretivo acredita que o aluno aprende por si mesmo. Ele pode, no
máximo, auxiliar a aprendizagem do aluno, despertando o conhecimento que já existe nele. -
Ensinar? -Nem pensar! Ensinar prejudica o aluno.
Como diz um professor (Becker, 1992):
“Ninguém pode transmitir. É o aluno que aprende. Outro professor afirma: “Tu não transmite
o conhecimento. Tu oportuniza, propicia, leva a pessoa a conhecer. Outro, ainda: “...acho que
ninguém pode ensinar ninguém; pode tentar transmitir, pode tentar mostrar... acho que a
pessoa aprende praticamente por si...”.
Epistemologicamente esta relação pode ser assim
representada:
S→O
ou
A→P
O aluno (A), pelas suas condições prévias, determina a ação - ou inanição - do
professor (P).
Nesta relação, o pólo do ensino é desautorizado e o da aprendizagem é tornado
absoluto. A relação vai perdendo sua fecundidade na exata medida em que se absolutiza um
dos pólos. Em outras palavras, a relação torna-se impossível na medida mesma em que
pretende avançar. Ensino e aprendizagem não conseguem fecundar-se mutuamente: a
aprendizagem por julgar-se auto-suficiente e o ensino por ser proibido de interferir. O
resultado é um processo que caminha inevitavelmente para o fracasso, com prejuízo imposto a
ambos os pólos. O professor é despojado de sua função, “sucateado”. O aluno guindado a um
status que ele não tem e sua não-aprendizagem explicada como “déficit herdado”; impossível,
portanto, de ser superado.
Pedagogia relacional- construtivista
O professor e os alunos entram na sala de aula. O professor traz algum material - algo
que, presume, tem significado para os alunos. Propõe que eles explorem este material - cuja
natureza depende do destinatário: crianças de pré-escola, de primeiro grau, de segundo grau,
universitários, etc. Esgotada a exploração do material, o professor dirige um determinado
número de perguntas, explorando, sistematicamente, diferentes aspectos problemáticos a que
o material dá lugar. Pode solicitar, em seguida, que os alunos representem - desenhando,
pintando, escrevendo, fazendo cartunismo, teatralizando, etc. - o que elaboraram. A partir daí,
discute-se a direção, a problemática, o material da(s) próxima(s) aula(s).
Por que o professor age assim? Porque ele acredita - melhor, compreende (teoria) -
que o aluno só aprenderá alguma coisa, isto é, construirá algum conhecimento novo, se ele
agir e problematizar a sua ação. Em outras palavras, ele sabe que há duas condições
necessárias para que algum conhecimento novo seja construído: a) que o aluno aja
(assimilação) sobre o material que o professor presume que tenha sigo de cognitivamente
interessante, ou melhor, significativo para o aluno; b) que o aluno responda para si mesmo às
perturbações (acomodação) provocadas pela assimilação deste material, ou, que o aluno se
aproprie, neste segundo momento, não mais do material, mas dos mecanismos íntimos de suas
ações sobre este material; este processo far-se-á por reflexionamento e reflexão (Piaget,
1977), a partir das questões levantadas pelos próprios alunos e das perguntas levantadas pelo
professor, e de todos os desdobramentos que daí ocorrerem. O professor não acredita no
ensino em seu sentido convencional ou tradicional, pois não acredita que um conhecimento
(conteúdo) e uma condição prévia de conhecimento (estrutura) possa transitar, por força do
ensino, da cabeça do professor para a cabeça do aluno. Não acredita na tese de que a mente do
aluno é tabula rasa, isto é, que o aluno, frente a um conhecimento novo, seja totalmente
ignorante e tenha que aprender tudo da estaca zero, não importa o estágio do desenvolvimento
em que se encontre. Ele acredita que tudo o que o aluno construiu até hoje em sua vida serve
de patamar para continuar a construir e que alguma porta abrir-se-á para o novo conhecimento
- é só questão de descobri-la: ele descobre isto por construção. “Aprender é proceder a uma
síntese indefinidamente renovada entre a continuidade e a novidade” (Inhelder et alii, 1977,
p.263); aprendizagem é por excelência, construção; ação e tomada de consciência da
coordenação das ações, portanto. Professor e aluno determinam-se mutuamente. Como vemos,
a epistemologia deste professor mostra diferenças fundamentais com relação às anteriores.
Como se configura ela? A nível de modelo, podemos representá-la assim:
S↔O
ou
A↔O
A tendência, nessa sala de aula é a de superar, por um lado, a disciplina policialesca e
a figura autoritária do professor que a representa, e, por outro, a de ultrapassar o dogmatismo
do conteúdo. Não se trata de instalar um regime de anomia (ausência de regras ou leis de
convivência), ou o lassez-faire, nem de esvaziar o conteúdo curricular; estas coisas são
características do segundo modelo epistemológico com o qual confunde-se, freqüentemente,
uma proposta construtivista. Trata-se, antes, de criticar, radicalmente, a disciplina policialesca
e construir uma disciplina intelectual e regras de convivência, o que permite criar um
ambiente fecundo de aprendizagem. Trata-se, também, de recriar cada conhecimento que a
humanidade já criou (pois não há outra forma de entender-se a aprendizagem, segundo a
psicologia genética piagetiana - só se aprende o que é (re)criado para si e, sobretudo, de criar
conhecimentos novos: novas respostas para antigas perguntas e novas perguntas refazendo
antigas respostas; e, não em última análise, respostas novas para perguntas novas. Trata-se,
numa palavra, de construir o mundo que se quer, e não de reproduzir/repetir o mundo que os
antepassados construíram para eles ou herdaram de seus antepassados.
O resultado dessa sala de aula é a construção e a descoberta do novo, é a criação de
uma atitude de busca, e de coragem que esta busca exige. Esta sala de aula não reproduz o
passado pelo passado, mas debruça-se sobre o passado porque aí se encontra o embrião do
futuro. Vive-se intensamente o presente na medida em que se constrói o futuro, buscando no
passado sua fecundação. Dos escombros do passado delineia-se o horizonte do futuro; originase, daí, o significado que dá plenitude ao presente. Para quem pensa que estou desenhando um
mar de rosas, alerto que, para grande número de indivíduos, configura-se como extremamente
Nenhum comentário:
Postar um comentário